segunda-feira, 26 de outubro de 2015

DEZ CENTÍMETROS


E aqui estamos. Eu e dez centímetros.

A certeza de que são realmente dez centímetros não a tenho. A certeza de sou realmente eu tão pouco. A noção da dimensão que dez centímetros podem assumir é quase tudo o que tenho. A noção da minha dimensão está reduzida a 10 centímetros. Não sei se me aproximam, se me separam. E se sim, não sei de quê.

Oca, assim devo estar. Até porque dentro de mim ressoam coisas, sons, toques, imagens, movem-se livre e freneticamente e por mais que tente não as compreendo. Não as sinto, não as vejo, não as oiço. Só as sei. E ao efeito que causam. Mais delas do que de mim, sei. Mas não lhes conheço a distância nem a linha temporal, não sei se são restos do que já vivi ou urgências do futuro. Não são consciências, são presenças.

Não as conheço nem reconheço.

Podia conhecê-las de novo, caso sejam memórias perdidas, mas falto-me. Porque estou ocupada e não me sobro nem um bocadinho em branco. Preenchida, como um caderno muito escrito e rabiscado, muito gasto e com páginas arrancadas onde se quisermos apontar um número de telefone temos que escrever por cima de outra coisa qualquer. E carregar na caneta para que se note. Não tenho linhas, não tenho folhas, não há caneta que me desenhe o futuro. Ou mão que a segure e risque com força. Furada que fique a página...

Dez centímetros e eu, imensos e no entanto apertados, desconfortáveis. Ambos.

Menos que um passo, menos que um palmo e ei-los: 10 centímetros ostensivamente no meu caminho. E eu. Se ao menos o tivesse, caminho… E eu na contemplação do espaço percebendo o quanto sobro. Não o quanto me sobro, nada se me oferece porque não tenho onde registar o que quer que seja. O quanto estou a mais, arrastando-me ao longo de tudo e deixando uma mancha amarelecida indistinta… O quanto estou pouco, nos sítios onde nem sequer fica marca da minha passagem, esbatida ou desencantada que seja.

Dez. Centímetros. Dez vezes um centímetro, cem vezes um milímetro. E eu.

Milimétrica aqui, aturdida de mim, do turbilhão que sei, perdida do conteúdo das folhas gastas, pouca de mim no caminho dos outros e… sem ti. A dez centímetros …

- Sim, está fresco aqui…
- …
 - Nada, estava só a sentir a brisa e a ver os carros a passar lá em baixo.
 - …
 - Tens a mão quente… não esperava que viesses. Pensei que não…
- …
 - Sim, vamos. Vou só fechar a janela…

Porque há sempre mais dez centímetros para escrever, mesmo que não seja numa página em branco…

 

Sem comentários:

Enviar um comentário